O Collegium Cantorum tem-se dedicado à interpretação do repertório coral nacional e internacional, mas muito especialmente à pesquisa da música sacra brasileira, considerando o fenômeno da miscigenação de raças e credos os mais diversos, fator impar, que se reflete em todas as áreas da vida do povo, em especial na sua música religiosa.
O povo brasileiro tem uma compreensão muito peculiar do canto sacro: ainda hoje as comunidades que conservam suas características originais relacionam-se muito intimamente com o “Divino”. O canto religioso mistura-se às crenças, ao dia a dia e subsistência econômica do povo. A percepção do Sobrenatural é muito aguçada, o povo depende da Natureza para produzir e subsistir, e o “Sagrado” torna-se muito presente: cantos são entoados para nascer, viver, trabalhar e morrer. Cantos que representam uma mistura do popular profano com o sacro erudito: um erudito que vem das raízes da colonização brasileira; um popular e folclórico que vem da alma e crença do povo.
Observa-se na nossa música sacra a mistura dos estilos dominantes na Corte européia, às vezes citando o barroco com sonoridades do rococó galante e do classicismo, criando uma identidade própria perfeita. Também é comum se deparar com um “Gloria in excelsis Deo” inserido num texto de domínio popular.
Motivada pelo comentário “...no Brasil não há música natalina genuinamente brasileira...” a direção musical do Collegium Cantorum empenhou-se a provar o contrário. No ano de 2002 o Coro desenvolveu uma pesquisa em busca das raízes do Natal Brasileiro. Percebeu-se então, que esse aspecto está praticamente esquecido em nossa sociedade moderna e internacionalizada. Essa pesquisa acabou chegando ao fato folclórico, que não se restringe à simples expressão musical, mas a todo um conjunto de tradições, expressões dramáticas, carregadas de significado, e que moldaram o nosso povo, nossa música, nosso jeito de ser e festejar. Durante a pesquisa cristalizou-se a riqueza material e melódica existente nos “Pastoris”. “Pastoris” são danças e cantos originários de Portugal, que vieram para o Brasil nos fins do século XVI, e foram aqui recriados com características próprias. O Natal desenvolve-se nos seus aspectos folclóricos em derredor da Missa do Galo, construção e visita aos presépios. Não há citação de “Papai Noel”, “Santa Klaus” ou mesmo árvore de natal e velas. O presépio torna-se o centro do mundo e reúne todos os povos: pagãos e cristãos. Entoam-se cantos e louvações em melodias de Natal que representam a riqueza musical do nosso povo. O Collegium Cantorum colheu estas melodias e ambientou-as, trabalhando-as no coro feminino da forma em que alguns dos nossos maiores compositores escreveram. Apresentamos desde o canto uníssono, a várias vozes “a capella”, ao canto acompanhado por quarteto de cordas e percussão. (Ver projeto “Pastorinhas”)
Na pesquisa musical sobre “cantos de trabalho” realizada por integrantes do Coro em comunidades no Interior do País, nos deparamos com uma comunidade fechada, sem nenhuma miscigenação étnica, onde, uma senhora que, segundo seu próprio depoimento, tinha 5 anos no inverno de 1904, cantou-nos um canto processional em louvor a Santa Luzia, caracterizando-o como canto de trabalho. A crença em Santos e personalidades protetoras (ainda não canonizadas pela Igreja Católica) que intercedem pelo homem junto ao Divino é muito comum no Interior do Brasil. As procissões são formas de levar o Sacro às ruas, misturando-o com o dia a dia da população. Eles caminham carregando imagens, quadros e fotos do Santo Protetor.
O Collegium Cantorum não estuda somente a música sacra folclórica. Procura resgatar e apresentar a música sacra erudita, desde a Música Colonial Brasileira até estréias de composições contemporâneas.
Um dos seus enfoques foi uma reflexão sobre a relação da Música do Brasil Colônia e as influências recebidas da, e também enviadas à Europa. Destacou-se nesse programa a “Messe” em do maior de Sigismund Neukomm, que vivendo um tempo no Brasil, foi, juntamente com p Pe. José Maurício Nunes Garcia, um dos primeiros compositores a incorporar melodias, modinhas e motivos tipicamente brasileiros em suas composições. Com essa proposta o grupo teve importante participação no XV Festival Internacional de Música Antiga e Música Colonial Brasileira no mês de julho de 2004 em Juiz de Fora, MG, festival este que se estende a Ouro Preto, cidade brasileira considerada pela ONU como Patrimônio Histórico da Humanidade. Nesta ocasião o Coro mereceu da crítica excelentes comentários pelo trabalho desenvolvido, pela complexidade do repertório e qualidade da apresentação, que se deu em maravilhosa Igreja local.
Nossa música sacra é impar na mistura de elementos, uma vez que existe a importante influência da música européia desde a época da colonização do Brasil, e por outro lado a influência da cultura negra, assimilada durante os anos da escravidão, ao lado da cultura indígena, original em nosso País. Existe ainda mais recentemente a forte influência da música sacra norte americana, presente sobretudo nos ramos mais jovens da igreja protestante, em fase de expansão, e também a da própria música popular. Os compositores brasileiros têm procurado retratar a alma do povo e seu relacionamento com Deus, mesclando todos esses elementos em sonoridades e ritmos caracteristicamente brasileiros.
Os grupos de arte sacra são pouco divulgados no Brasil, onde a tradição musical erudita recebe pouco apoio, o que faz com que a divulgação do trabalho fique restrita até mesmo a nível nacional. Os festivais de música sacra erudita no Brasil se limitam a uns poucos por ano, e os artistas brasileiros que não optaram por viver no Exterior são pouco conhecidos.
O movimento coral no Brasil ainda está em fase de implantação. Villa-Lobos foi o grande incentivador dessa arte, mas depois da sua morte não houve continuidade no seu projeto de “salvar” a juventude brasileira através do canto coral. Existem hoje em dia várias iniciativas, algumas muito promissoras, mas todas lutando com grandes dificuldades para estabelecer e manter um bom nível musical. A música coral sacra tem sido pouco difundida, uma vez pela dificuldade de se encontrar repertório adequado, outra por causa das dificuldades técnicas inerentes a estas obras e ainda outra pela rotatividade dos integrantes que muitas vezes são obrigados a abdicar da atividade do canto coral para cuidar da sua subsistência econômica. Existe porém uma característica comum e fascinante nos corais brasileiros: a vibração, o entusiasmo, o envolvimento emocional dos cantores, interpretando de coração as obras que lhe são confiadas, sejam elas sua própria linguagem, sejam obras de caráter internacional, o brasileiro é muito expressivo e vive a música de corpo e alma.
O Collegium Cantorum procura inspirar e deixar-se inspirar, refletir essa singularidade e, sobretudo, emprestar sua alma, interpretando a música religiosa de um povo sofrido, de um povo que tem sobrevivido a séculos de opressão colonial e opressão econômica, e ainda hoje trabalha de pé no chão, mas canta feliz para a glória de Deus.